Odontologia sistêmica cuida dos dentes e dos males de outras partes do organismo
Na infância, o policial civil Sávio Glória Pontes, hoje com 22 anos, vivia no médico por causa de uma rinite alérgica. Com a chegada da adolescência, vieram os problemas de estômago. E, há cerca de três anos, começaram os estalos na boca. O rapaz foi a vários ortodontistas, mas, como eles só se preocupavam com a questão estética, o policial acabava deixando de lado os tratamentos propostos.
Foi quando um colega sugeriu a Sávio procurar um profissional de odontologia sistêmica - ramo que considera o corpo em sua totalidade e não cuida da boca como se ela fosse isolada do resto do organismo. Mesmo com um pé atrás, o jovem decidiu dar um voto de confiança e usou os aparelhos ortodônticos recomendados pelo especialista. Hoje, livre dos estalos na boca, com uma postura melhor e mais bem disposto, o policial dá o braço a torcer. ''Foi uma surpresa: o tratamento trouxe alívio até para os problemas respiratórios e digestivos'', admira-se.
Sávio viu na prática que cuidar da saúde da boca traz benefícios para o organismo todo. E isso não deve causar espanto. Afinal, nosso corpo é um sistema, um conjunto de elementos integrados entre si. Essa integração é especialmente nítida no sistema músculo-esquelético. ''Quando o encontro da arcada superior com a inferior não ocorre da forma correta, nervos e músculos sofrem compressões que podem dar origem a dores de cabeça e nas costas'', explica o cirurgião-dentista Newton Nogueira de Sá, especialista em ortodontia e em ortopedia dentofacial.
Problemas no posicionamento da mandíbula podem gerar desequilíbrios na articulação têmporo-mandibular - que fica perto da orelha, onde as arcadas dentárias se encontram. Isso modifica a posição da cabeça e produz alterações evidentes na coluna cervical. Mas, às vezes, a reação se estende por toda a coluna vertebral, que fica com desvios. ''Até o comprimento das pernas pode ser alterado'', afirma Roseli Luppino Peres, presidente da Sociedade Brasileira de Odontologia Sistêmica em São Paulo.
A funcionária pública Célia Maria de Souza, de 52 anos, confirma as teorias da odontologia sistêmica. Afinal, foi através delas que Célia corrigiu sua mordida e se viu livre das terríveis dores na face que acabavam com sua concentração no trabalho. O alívio foi quase imediato: após 15 dias usando um aparelho móvel, as dores já não a incomodavam tanto. Hoje, dois anos depois, a funcionária pública não sente mais nenhum incômodo na face e, de quebra, as de dores de cabeça e nas costas diminuíram consideravelmente. E os resultados não pararam por aí. ''Acertei as arcadas e ganhei de brinde uma fisionomia muito mais jovial. Todo mundo pergunta se fiz plástica'', diverte-se. A história de Célia demonstra que a estética anda de mãos dadas com a parte funcional dos dentes. ''Se a estética não for considerada, o paciente pode se tornar inseguro e introvertido'', diz a odontóloga Telma Rocha.
Já no caso de Sávio, o maior benefício foi o aumento da parte interna da boca. Os dois aparelhos ortodônticos que usou ampliaram sua cavidade bucal, garantindo melhor oxigenação do organismo todo. Não é balela. Quando falta espaço na boca, a língua pode ser posicionada mais para trás, estreitando o espaço por onde passa o ar vindo do nariz. Resultado: o volume de oxigênio que entra no organismo fica menor.
Para compensar esta alteração, a pessoa vai respirar de forma acelerada, e é comum passar a inspirar também pela boca. Tal estratégia de adaptação faz com que as vias respiratórias fiquem ressecadas e com fissuras, uma das causas da rinite alérgica. Por outro lado, pode acontecer de o aparelho respiratório produzir grande quantidade de muco para se proteger: haverá coriza, entupimento do nariz e até repercussões mais graves que estariam entre as causas da asma. ''Além disso, quando a respiração acelera, a freqüência cardíaca pode aumentar e gerar problemas circulatórios'', comenta o cirurgião-dentista Agné Cervo Peres, especialista em ortopedia funcional dos maxilares.
A falta de espaço na cavidade bucal também interfere na digestão - que, vale lembrar, começa na boca. Se não tiver espaço suficiente, as glândulas salivares ficam comprimidas e deixam a saliva mais ácida, o que compromete todo o processo digestivo. A alteração do pH da saliva também agrava a placa bacteriana e pode provocar doenças no periodonto, que compreende as gengivas, os ossos e fibras e tecidos ligados aos dentes.
A relação entre a boca e a saúde do resto do organismo é uma via de mão-dupla: distúrbios pelo corpo também se manifestam na cavidade bucal. Bactérias que causam inflamações no periodonto, por exemplo, podem cair na corrente sangüínea ou lançar no sangue substâncias tóxicas. ''Tanto os microrganismos quanto suas toxinas podem contribuir para a formação de placas gordurosas nos vasos, abrindo portas para doenças no coração e no cérebro'', diz o periodontista Luiz Fernando de Araújo. Já distúrbios como diabetes podem trazer prejuízos para a boca. A taxa de glicose alta, por exemplo, pode afetar a irrigação sangüínea da gengiva e reduzir a capacidade de defesa contra microrganismos. Desta forma, o paciente fica vulnerável a doenças na boca. E diversos estudos têm mostrado que, se essas enfermidades na boca não forem devidamente tratadas, o paciente terá dificuldade para controlar o nível de açúcar no sangue.
Não é à toa que hoje existe uma tendência de trabalho conjunto entre dentistas, médicos e outros profissionais de saúde. ''Prova disso é o fato de haver um gabinete dentário totalmente equipado dentro da enfermaria de clínica médica do hospital da Universidade Federal de São Paulo'', exemplifica o médico Antônio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. O dentista Paulo Murilo da Fontoura, presidente da Associação Brasileira de Odontologia no Rio, faz coro: ''parece ter chegado a hora de unirmos os avanços científicos das diversas especialidades médicas e odontológicas''.
Fonte:JB Online